Notícias sobre o INEM

Relativamente a esta notícia: “INEM transporta centenas de doentes não urgentes”
sobre um estudo realizado pelo INEM convém esclarecer algumas coisas que me parecem precipitadamente conclusivas.

Dissequemos então a notícia/estudo (admito que a notícia tenha sido adulterada pois não seria nada que não me admirasse face à tendência jornalística de “moldar factos”).

Escreve-se isto: “Inem Transporta centenas de doentes não urgentes”mas baseado no quê? O critério é definido pela prioridade atribuída pela Triagem de Manchester ora por este prisma não urgente refere-se apenas a prioridade azul (para saber mais sobre isto consultar link) e no estudo isso é “metido” no mesmo saco que a prioridade verde que na realidade é considerado “pouco urgente” e não “não urgente” e que na realidade corresponde a apenas 145 utentes do total da amostra de 2269 utentes que foram triados . Ou seja… Menos de 10% e este número já inclui “verdes” que nem deveriam ser assim classificados de não urgentes.

Também se diz isto:  “O estudo realizado por Técnicos de Ambulância de Emergência (TAE), no primeiro semestre deste ano, em três ambulâncias da Área Metropolitana (Porto, Matosinhos e Maia) concluiu que em 52% dos casos os utentes transportados recebem pulseiras azuis, verdes e amarelas quando chegam ao hospital.

Ou seja, segundo as normas da Triagem de Manchester, os amarelos podem esperar até uma hora para serem atendidos e os verdes e os azuis entre duas a quatro horas. Note-se que, na realidade, estes tempos são muitas vezes ultrapassados.”

Ou seja, há uma tentativa implícita de “colar” a prioridade amarela à categoria “não urgente” quando na realidade ela significa “Urgente” 

Se o tempo é excedido isso não significa que os utentes não devessem ser atendidos rapidamente mas antes que os serviços não conseguem responder a isso eficazmente. Porquê? Adiante explicarei…

Aqui: “Pedro Moreira, do Sindicato dos Técnicos de Ambulância de Emergência (STAE), entende que devem ser redefinidos os critérios de não transporte do doente.”

Plenamente de acordo falta saber é quem definirá se o transporte deve ser feito, razões fundamentadas através de algoritmos de decisão cientificamente comprovados e se o work flow  não é afectado (por falta de pessoal clínico na decisão atempada por exemplo).

 “Ricardo Rocha, líder do STAE, vai mais longe e defende a responsabilização do utente que chama o INEM sem estar verdadeiramente em risco de vida.
“Aqueles que recebem pulseiras azuis e verdes deviam pagar o transporte ao INEM, é dinheiro de todos nós”, sustenta Ricardo Rocha.”

Aqui é que a coisa vai longe de mais… Que competência tem um utente, um leigo, para avaliar se a sua situação é de risco de vida ou não? 
Que efeitos perversos estas medidas poderiam ter?
– Um utente poderia desvalorizar a perda de sensibilidade/força num braço ou perna com receio de ser “taxado” e não recorreria ao INEM. Consequência: Poderia estar a ter um AVC, ficar com uma incapacidade permanente ou até a morrer em último caso (por evolução do AVC) e os custos daí advindos seriam bem maiores, a todos os níveis, o mesmo se poderia passar quanto a um “ardor” no peito , desvalorizado e que poderia muito bem ser um Enfarte do Miocárdio.

– Seria um retrocesso na nossa assistência sanitária e nos magníficos resultados que temos obtido nos últimos anos, no acesso a terapêutica trombolítica no AVC e na ICP (Intervenção Coronária Percutânea) no EAM (Enfarte Agudo do Miocárdio) ao impor uma atmosfera de receio ao cidadão caso queira recorrer a um serviço de saúde.

– Aumentaria os custos humanos e materiais advindos das complicações tardias destas duas situações, só para citar estas.

– Um dos méritos da atitude defensiva na Saúde é que ao menos não se deixa escapar estas situações e com a mensagem da notícia seria uma tentativa de intimidar os utentes e com isso diminuir a qualidade na saúde.

“Se tivermos em conta que o Ministério da Saúde paga aos hospitais 147 euros por cada entrada numa urgência polivalente (portaria nº132/2t009 de 30 Janeiro), podemos concluir que aqueles doentes custaram ao erário público cerca de 25 mil euros, além de terem ajudado a entupir as urgências.”

Porque é que as urgências estão entupidas?
– O nosso sistema de saúde é hospitalocêntrico o que quer dizer que os recursos humanos e materiais estão primariamente localizados no hospital assim como “o sistema” promove a recorrência ao SU.
– Quem quer uma consulta com um médico em tempo útil tem de recorrer ao SU e dado que a oferta de médicos se concentra no SU, especialmente a de especialistas, é aí que os utentes têm de recorrer.
– Experimentem ter uma vulgar gastroenterite às 21:00 e vejam quantos centros de saúde estão abertos para vos  receberem… Se precisam ou não de assistência diferenciada isso necessita de ser clarificado.
– Quanto mais medicalizado for o sistema mais as urgências serão entupidas.
– Quanto menor a responsabilização dos CSP maior será a referenciação “fácil” ao hospital.
– As equipas nos SU’s estão subdimensionadas para atender os utentes nos tempos preconizados na triagem de Manchester

Diariamente também me deparo com o problema de ter muitos utentes que poderiam não ser atendidos numa Urgência de um Hospital Central ou até num hospital o que não quer dizer que não tenham de ter assistência por parte de profissionais de saúde… mas se os utentes não têm opção (por dinheiro, tempo, ou falta de oferta de profissionais pelas razões que sejam) vamos recusar atendê-los? Isto nem um neoliberal defende!


Agora uma pequena explicação sobre o problema dos argumentos falaciosos relativamente às conclusões do estudo.

Partimos do pressuposto que ter uma prioridade verde na triagem de Manchester não implica uma ida ao Hospital e até à Urgência, tal é mentira e porquê. 
O sistema de triagem de Manchester não tem sido suficientemente dinâmico na adopção de medidas que corrigissem erros na sua estrutura assim como na actualização de informação científica que implica maior urgência terapêutica em determinadas situações. 
Tal problema levou à adopção de nalguns casos as chamadas Vias Verdes, como forma de atendimento célere e que pudesse eventualmente ter uma prioridade menor na avaliação exacta segundo o sistema mas que na realidade exigisse maior urgência. 
Criaram-se triagens secundárias como forma de relativizar isto e não só nas situações contempladas nas Vias Verdes (Sépsis, Coronária, AVC e Trauma).

Alguns exemplos práticos
  • Um utente teve dor tipo aperto durante 10 min relacionada com esforço e é obeso, tem dislipidemia e é fumador. Supondo que isto indicia dor tipo anginosa… No momento da triagem o utente está assintomático. Segundo o protocolo de triagem de Manchester tem prioridade VERDE. No entanto graças ao critério clínico do responsável da triagem (o enfermeiro) e ao protocolo da Via verde Coronária, este utente será observado em menos de 10 min (como se tivesse prioridade laranja) portanto …


  • Um utente toma antidiabéticos orais e teve hipoglicemia de 30 mg/dL no domicílio aquando da avaliação por parte da equipa do Pré-hospitalar. No momento da triagem tem 100 mg/dL. Segundo o protocolo da triagem tem prioridade VERDE. No entanto graças ao critério clínico do responsável da triagem e a uma triagem secundária este tem um atendimento em menos de 10 min (como se tivesse prioridade laranja) portanto …


  • Um utente teve uma crise convulsiva tónico clónica no domicílio, é epiléptico. Aquando da chegada ao SU está assintomático.Segundo o protocolo da triagem tem prioridade VERDE. No entanto graças ao critério clínico do responsável da triagem e a uma triagem secundária este tem um atendimento em menos de 10 min (como se tivesse prioridade laranja) portanto …


Refiro estes casos mas existem muitos outros… Como vêem não podemos pressupor que ter prioridade verde corresponda incondicionalmente a pouco urgente e a tempos de atendimento prolongado.
A melhor forma de ter conduzido este estudo seria saber se os utentes que foram ao hospital receberam de facto cuidados que necessitariam de ser prestados numa instituição de saúde… Por exemplo se receberam terapêutica endovenosa, se foram internados, se fizeram exames que não poderiam ser feitos noutro local e/ou outra hora e não de acordo com a prioridade segundo o sistema de triagem de Manchester.
Depois saber se tinham realmente alternativa que não fosse chamar o INEM…
E por último se é ético e benéfico colocar o ónus sobre o utente em vez de reorganizar o sistema de maneira a que o utente não precise, não tenha de usar estes meios…

3 thoughts on “Notícias sobre o INEM

  1. A investigação é o passo para o desenvolvimento… É o futuro…Sem a validade não há reconhecimento, nem ganhos. Mas fica os meus parabéns pelo esforço.Boa análise do estudo.Cumprimentos,Enf. Vítor Oliveira

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